Conheça Marilia Buonavita, coordenadora de Inclusão Produtiva de Franco da Rocha

Idealizadora da Escola de Gastronomia e Restaurante Pedagógico, Marilia Buonavita luta pelo espaço da juventude e das mulheres na alta gastronomia

Com assadeiras, fornos e fouet se faz magia dentro de uma cozinha, e até mesmo fora dela. A partir da mistura entre cozinheira, militante política e professora, conhecemos Marilia Gabriela Buonavita, atual coordenadora de Inclusão Produtiva do município.

Nascida em Caieiras, no bairro Morro Grande, Marilia tem grande apego à Franco da Rocha, cidade onde se dedicou à educação por 10 anos e atua no Programa de Economia Solidária. Com os diplomas de História e Pedagogia conquistados, Marilia ingressou no setor público aos 19 anos nas salas de aulas do Jardim Bandeirantes. 

A gastronomia entrou na minha vida por essa questão de afetividade”

A partir da influência familiar, Marilia sempre gostou de produzir comida, não só pelas tarefas que precisava cumprir dentro de casa, mas por crescer em um meio que valorizava a alimentação. As vivências das gerações de sua família a conduziram para o mundo da gastronomia, como seus avós paternos que, mesmo de origem italiana, tem um contato muito forte com a culinária brasileira, e sua avó materna, que sempre valorizou o ato de cozinhar.

Além disso, seus pais eram macrobióticos, seguiam um estilo alimentar que focava na cura de doenças sérias através da harmonia com a natureza. “Eles abordavam os conceitos Ying Yang e a sustentabilidade”, completou. 

Os 15 anos vividos em uma chácara, o contato direto com a natureza dos alimentos e impactos familiares levaram Marilia a transformar vidas franco-rochenses de cozinha em cozinha.

“Minhas maiores experiências de trabalho foram no serviço público”

Após a formação em História, Marilia empenhou-se em aprender mais sobre política. Ainda seguindo a influência familiar, não deixou a gastronomia de lado, mas buscou novas especializações. “De certa forma, fazer gastronomia social é atuar com políticas públicas”.

Entre as reviravoltas que a vida adulta a reservava, Marilia teve o momento para repensar sua trajetória profissional e no que iria dar continuidade. Com seu apreço pela história da gastronomia, decidiu enfrentar novos desafios. Mudou-se para terras alencarinas onde se formou em gastronomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). “Foi um curso muito bacana, com uma formação mais ampla onde estudei muito a química e ciência dos alimentos, antropologia, sociologia e a relação do homem com a comida”.

Após os quatro anos de graduação, seguiu para a área da gastronomia social, onde teve suas primeiras experiências pelas comunidades de Fortaleza com uma formação para um público em vulnerabilidade social. De lá, viu uma oportunidade de reconstruir sua história.

“É muito difícil esse papel da mulher na liderança da cozinha”

O mundo da gastronomia apresenta um cenário com muitos desafios para as mulheres devido ao machismo enraizado na indústria que se manifesta desde a diferença salarial até as oportunidades de crescimento. Apesar disso, as cozinhas profissionais estão sendo redefinidas e mais ocupadas por mãos femininas.

Marilia compartilha que uma de suas maiores inspirações na gastronomia é a cozinheira argentina Paola Carosella. “Na mídia ela se apresenta como uma profissional fantástica que inspira muitas mulheres. É muito difícil esse papel de cozinheira que seja liderança, que seja chefe dentro dos restaurantes, não é comum”. Além disso, Marilia também exalta a forma de trabalho de Paola e a forma como ela foge dos padrões da elite na gastronomia.  

“Hoje se vê um número muito pequeno de mulheres liderando restaurantes e a Paola é uma referência dessa questão de resgate das culturas, tradições, dos ingredientes brasileiros e que tem essa preocupação com questões sociais. A gastronomia não é só o que a gente vê na mídia, que é reduzida a um prato na mesa das elites, uma gastronomia glamurosa, ela não é só isso, é muito além. Ela oferece sim uma culinária para as classes mais altas mas uma culinária com raiz, uma culinária brasileira”.

Marilia aponta que apesar da figura feminina estar ligada à alimentação da família, os espaços profissionais ainda apresentam uma dificuldade de reconhecimento. Para ela, hoje, atuar com gastronomia social é uma abertura para estar ao lado de mais mulheres, porém, se trabalhasse em outro ambiente, possivelmente não estaria em uma posição confortável.

Atualmente na coordenação, a profissional descreve suas responsabilidades como desafiadoras. “Estar em um cargo de liderança e gestão é sempre muito desafiador. Com a minha equipe busco sempre estar entrosada e tento fazê-la se sentir a par das decisões, mas estamos aqui para aprender uns com os outros”.

“A formação não é somente sobre a técnica com o alimento, mas com a formação cidadã de cada aluno”

No Centro Solidário de Franco da Rocha existem cursos de curta e longa duração para diversas áreas. Na gastronomia, os cursos de curta duração atendem às pessoas assistidas pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Os usuários participam do processo de formação dos cursos livres básicos, mas têm a chance de participar do Clube do Chefe, um projeto criado em 2019 que conta com uma experiência de 30 horas de ensino para os jovens. “Eles chegam como se não tivessem nada de conhecimento na cozinha, mas com as aulas vão se descobrindo, ampliam seus conhecimentos e aplicam o que já sabiam.”

Entre os diversos talentos que são descobertos nas aulas, a coordenadora compartilhou a história do jovem cozinheiro franco-rochense Gabriel Mendes, uma grande revelação do Clube do Chefe que teve grandes conquistas na capital paulista. 

Em 2021 Gabriel entrou para o Clube do Chefe e teve a oportunidade de integrar o projeto Pão do Povo da Rua, uma ação do Professor Doutor Ricardo Fruguli que tem como objetivo minimizar a fome nas ruas e promover capacitação e profissionalização em panificação e confeitaria para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Com muito destaque, Gabriel foi convidado para trabalhar no Bar da Dona Onça, restaurante tradicional localizado no Centro Histórico de São Paulo.

Hoje Gabriel atua ao lado da chef e co-proprietária Janaína Torres, eleita melhor chef do mundo pelo The World ‘s 50 Best Restaurants 2024.

“Foi um caso de uma formação que teve muito sucesso e é um caso de orgulho para toda a equipe”, expressou Marilia.

“É um sonho se concretizando”

Há três anos, Marilia foi convidada para desenvolver e implantar um de seus projetos em Franco da Rocha, a Escola de Gastronomia e o Restaurante Pedagógico. Por muitos era vista como “a que tinha sonhos embaixo do braço”, já que desde 2018, quando ainda estava na universidade, apresentou a ideia para o município. 

A gastronomia social sempre foi um campo de muito estudo quando Marilia estava no Ceará e as experiências nesse meio a incentivaram a implantar algo inovador em Franco da Rocha, um espaço de grande significado para a profissional. 

No ano passado, com o lançamento oficial do novo prédio gastronômico no Complexo Hospitalar do Juquery, Marilia expressou muita felicidade com a nova conquista. “A escola é fruto de muito desejo e muita paixão. Não queria somente um prédio na região onde sempre trabalhei, mas algo além, algo que estivesse localizado em um espaço com grande significado para mim e que sempre significou muito para os alunos do Bandeirantes que mesmo distantes do centro histórico, tem um grande apego, que é o Juquery”. 

O novo equipamento abrirá portas para a juventude franco-rochense. “Precisamos pensar com a magnitude do espaço dentro do complexo, que é patrimônio da cidade. Nossos alunos estarão rodeados de prédios históricos, mas também vem a perspectiva de ser um local muito bonito com equipamentos de qualidade. Temos a pretensão de trabalhar o desenvolvimento técnico em gastronomia, mas que os alunos tenham preocupações com questões sociais e uma formação completa e muito humana da cultura brasileira e franco-rochense”, acrescentou.

Ainda no processo de construção do Projeto Político Pedagógico da unidade, Marilia explica que a escola será pensada em cursos para jovens a partir do percurso profissional de longa ou curta duração.

“A proposta é que o aluno passe pelo processo de formação, um estágio e tenha uma remuneração para que possamos garantir sua permanência. Mais importante do que ofertar o curso, é garantir a permanência dos jovens, e garantimos isso com recursos.”

Com mais ideias a serem discutidas, Marilia aponta a vontade de expandir as aulas para os adultos, como cursos livres de especialização e formação em cozinhas solidárias.

Qualquer um(a) pode cozinhar

Com a história de superação e luta pela juventude de Franco da Rocha, Marilia recria aquilo que é visto na magia das animações.

Entre diversas receitas já preparadas, Marilia prova que o melhor dos resultados é quando se coloca amor e dedicação naquilo que faz. Ela, que tanto mistura sabores do mundo e os aproxima em uma Franco tão única, prova que sim, qualquer um(a) pode cozinhar.

Texto: Lívia H. Magalhães – Fotos: Orlando Júnior


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